quarta-feira, 10 de maio de 2017

o outro

O outro sente saudades do outro, sente desejo de comer um churros, carrega sacolas de uma vida que lhe pesa, suspira pelos cantos e limpa o pó das imagens do seu altar de fora, solta farpas do atrito entre as madeiras tremendo, se enreda no passado olhando pra uma lua que já sempre foi aquela. Joga fagulhas na floresta seca pra dizer sem dizer as sementes que quer ver nascer. Fica cabisbaixo como lesma no cenário triste, reclama das coisas que estão a seu alcance, quer ir pra longe, se renovar, criar asas novas, a partir de desejos velhos. O ninho não basta pro bicho que não consegue se conter. Brinca de esconde-esconde e acha que é engraçado buscar as sombras pra não ser visto e depois gritar pra dar o bote e ganhar o jogo. É preciso ainda andar muito pra se ver voando de verdade. A cada encanto que se desdobra, o outro se dobra, como dobradiça de porta deixando o que quer entrar. A troca se dá na filigrana e nos mistérios que ninguém sabe. Não corta a corda poída que amarra o barco por teimosia. Fica baloiçando querendo morrer. Tudo é poço se não tem controle do balde. O outro quer sair correndo pelo mundo, quer dizer mas não quer matar a mim. A mente do outro é do outro, por isso nem me comovo, já aprendi que nada faço: que seja. O outro deixa o mundo que deseja pro dia de amanhã, mas a sua mente vai na rede de arrastão e não sabemos em que onda nova tudo morrerá.

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